Porque a Igreja é Tão Verdadeira Quanto o Evangelho, Eugene England
sábado, 1 de maio de 2010
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Eugene England,
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Quando eu era pequeno, estava convencido de que a reunião mais desagradável da Igreja, talvez em todo o mundo, fosse a "conferência trimestral da Estaca". Naquela época, as conferências de estaca eram realmente realizadas a cada três meses e incluíam pelo menos duas sessões dominicais de duas horas cada para todos os membros. Para nós crianças, os destaques mais interessantes eram as trêmulas canções que o coro das mães cantava e o solene apoio dado ao "Comitê de Abolição do Tabaco e do Álcool da Estaca".
Entretanto, uma conferência memorável ocorreu quando eu tinha 12 anos sendo inesquecível por uma razão melhor. Eu estava sentado numa das primeiras fileiras porque meu pai estava sendo apoiado como sumo-conselheiro da estaca recém-formada. Eu estava de costas para o púlpito, implicando com minha irmã que se encontrava na fileira de trás da minha. De repente, senti algo, vagamente familiar, queimar no âmago de meu coração e de meus ossos e depois, pareceu-me, como se uma força física me virasse e me fizesse encarar a fisionomia transfigurada do Elder Harold B. Lee, a autoridade visitante. Ele interrompera seu discurso preparado previamente e estava pronunciando uma bênção apostólica sobre a estaca recém-criada. Assim, pela segunda vez, confirmava-se em minha vida a presença do Espírito Santo e do testemunho especial de Jesus Cristo.
Quantas conferências de estaca desagradáveis teria eu que assistir para, pelo menos uma vez, sentir a presença de tal graça? Milhares, todas. Aquela pérola era de valor inestimável. Além disso, desde então, passei a compreender melhor o que procurar e o que buscar nas conferências, com maior compreensão das experiências inspiradoras e edificantes dos outros membros e elas não me parecem mais desagradáveis. Assim, um dos pilares mais importantes da minha fé foi edificado, não através de alguma percepção especial do evangelho, mas através de uma experiência que pude viver simplesmente por estar cumprindo minha obrigação na Igreja, ainda que de forma imatura.
Apesar disso, um dos clichês mais utilizados pelos mórmons é de que o evangelho é verdadeiro, até mesmo perfeito, mas que a Igreja, afinal de contas, é um instrumento humano, moldado pela história e, portanto, compreensivelmente imperfeita, como se fosse algo a ser tolerado por causa do evangelho. Estou convencido, através de experiências como a que tive naquela conferência de estaca e através de minhas conclusões que, de fato, a Igreja é tão "verdadeira", tão eficaz e tão segura como instrumento do Senhor quanto o sistema doutrinário que denominamos de evangelho e que isso se deve, em boa parte, especificamente às faltas, exasperações humanas e problemas históricos que às vezes nos angustiam em relação à Igreja.
Aqueles que usam o clichê que se refere ao evangelho como mais "verdadeiro" do que a Igreja consideram o evangelho um sistema perfeito de doutrinas e mandamentos revelados e baseados em princípios cuja infalibilidade expressa as leis naturais do universo. O que é interessante é que o próprio universo, e portanto as leis e princípios naturais que o evangelho utiliza para descrevê-lo, parecem ser intrinsecamente paradoxais. A lei de Leí, "“ Porque é necessário que haja uma oposição em todas as coisas" (2 Néfi 2: 11), talvez seja a declaração mais provocadora e profunda da teologia abstrata que encontramos nas escrituras, porque ela descreve o que parece ser a essência do universo. No contexto, essa lei claramente sugere que a contradição e a oposição não somente fazem parte da experiência humana, algo que Deus utiliza para seus propósitos redentores, mas que a oposição existe no próprio âmago das coisas: que ela é intrínseca às duas realidades mais fundamentais – inteligência e matéria – o que Leí chama de "coisas que agem e coisas que recebem a ação" (versículo 14). De acordo com Leí, a oposição fornece ao universo energia e significado, tornando mesmo possível a existência de Deus e de tudo o mais; sem ela "todas as coisas teriam desaparecido" (versículo 13).
Todos sabemos por experiência quais as conseqüências dessa realidade fundamental e eterna sobre a vida mortal. Ao longo da história, as mais importantes e produtivas idéias têm sido paradoxais, ou seja, têm estado em oposição umas às outras: a força energizadora de toda a arte tem sido o conflito e a oposição; a base do sucesso em todos os desenvolvimentos econômicos, políticos e sociais tem sido a competição e o diálogo. Considere o governo democrático fundamentado em salvaguardas e no equilíbrio de um sistema político bipartidário (que, no todo, torna possível a democracia pluralista) . Considere o Romantismo frente ao Classicismo (conflito esse que está no cerne da própria literatura (assim como da maioria dos movimentos literários), a razão frente à emoção, a liberdade diante da ordem, a integridade individual versus a responsabilidade comunitária, homens versus mulheres (cujas diferenças tornam possível o crescimento eterno), justiça em oposição à misericórdia (a combinação das quais torna possível nossa redenção através da expiação de Cristo).
A vida neste universo está eivada de polaridades e se torna plena por causa delas. Lutamos contra elas, reclamamos delas e até mesmo tentamos, às vezes, destruí-las através do dogmatismo ou de uma pretensa retidão pessoal, ou ainda nos escondendo atrás da inocência que não passa de ignorância, um retorno ao Jardim do Éden onde encontramos clareza e facilidade enganosas, mas não a salvação. William Blake, o grande poeta inglês oitocentista, ensinou que "sem os contrários não há existência" e alertou-nos de que "quem tenta reconciliar [os contrários] procura destruir a existência". Seja qual for o significado de que um dia veremos "face a face", no momento podemos apenas enxergar "por espelho, em enigma" (I Cor. 12: 13) e devemos tirar o maior proveito disso.
Sem dúvida, se o que chamamos de "evangelho" for simplesmente as boas novas da redenção através de Cristo (como é comum no Novo Testamento), ou se incluirmos apenas os princípios básicos da salvação que ficam implícitos quando dizemos "Sei que o evangelho restaurado é verdadeiro", estaremos referindo-nos a algo bastante definido e claro. Entretanto, como sabemos, o "evangelho pleno" não é e talvez nunca possa vir a ser – dada sua evidente natureza paradoxal – um conjunto singelo e claro de proposições inequívocas. Por mais claro e unificado que seja o nosso conhecimento da doutrina, nossa atual compreensão do evangelho, que é em última instância o que deve nos preocupar, é variada e limitada.
E é precisamente nesse ponto que entra a Igreja. Acredito que ela seja o melhor meio, depois do casamento (com o qual ela muito se parece neste aspecto), para ajudar-nos a ganhar a salvação através do enfrentamento construtivo das oposições da existência, apesar de nossas compreensões limitadas e variadas do "evangelho". Acredito que quanto melhor qualquer igreja ou organização for nessa função, "mais verdadeira" ela será. E quando chamo a Igreja Mórmon de "a igreja verdadeira", quero dizer que ela é a mais bem organizada para proporcionar tal ajuda, porque é divinamente organizada e dirigida – ela compõe-se e mantém sua eficácia através de revelações que vieram e continuam a fluir de Deus, sem importar o quão "enigmáticas" (obscuras) elas necessariamente venham a ser devido às nossas compreensões limitadas e variadas.
Martinho Lutero, com percepção inspirada, escreveu: "O casamento é a escola do amor" - ou seja, o casamento não é a habitação ou o resultado do amor, mas sim a sua escola. Acredito que qualquer igreja possa ser a escola do amor e que a Igreja Mórmon é a melhor, a "única igreja viva e verdadeira" (Doutrina e Convênios 1: 30) - não somente porque suas doutrinas ensinam e incorporam os grandes paradoxos essenciais e os princípios salvadores mais importantes, mas também porque a Igreja provê o melhor contexto no qual alguém pode lutar, trabalhar, resistir e ser redimido pelas respostas que temos para os paradoxos e oposições que dão energia e significado ao universo. Joseph Smith, também com inspirada percepção, escreveu em uma carta, pouco antes de morrer: "Através da prova dos opostos, a verdade se manifesta (History of the Church 6: 428). "Prova" significa aqui não somente uma demonstração lógica, mas também o ato de testar, ou seja, lutar com alguma concepção e realizar a experiência prática dessa idéia. A Igreja é tão verdadeira e tão eficaz quanto o evangelho porque ela envolve-nos diretamente nessa prova dos contrários, fazendo-nos trabalhar os opostos de forma construtiva dentro de nós próprios e especialmente no relacionamento com os outros, lutando no nível experimental com os paradoxos e polaridades que ajudam a redimir-nos. A Igreja é verdadeira porque ela é concreta e não teórica. E, apesar das contradições e problemas, até talvez mesmo por causa deles, ela produz o bem tanto quanto o evangelho.
Consideremos a razão dessa afirmativa: Na vida da Igreja verdadeira, como em um bom casamento, há oportunidades constantes para que todos sirvam, especialmente para aprender a servir àquelas pessoas que normalmente decidiríamos não servir – ou talvez nem nos associaríamos a elas – criando assim oportunidades de aprendermos e de amarmos incondicionalmente (o que, afinal de contas, é o mais importante aspecto a se aprender no evangelho). Há um encorajamento constante, até mesmo uma certa pressão, para sermos "ativos", para termos um chamado e assim nos vermos obrigados a lidar com relacionamentos e com o gerenciamento de organizações, com idéias e desejos de outras pessoas, seus sentimentos e fracassos. Assistir aulas, participar de reuniões e ouvir pessoas que muitas vezes expressam noções preconceituosas ou baseadas em informações errôneas, e ainda ter que produzir algum tipo de reação construtiva. Termos de nos sujeitar a líderes e, ocasionalmente sermos ofendidos por suas fraquezas e cegueira, e até mesmo sofrermos sob o exercício de injusto domínio para depois ser chamados para posições de liderança que nos farão descobrir que também nós, ainda que com a melhor das intenções, podemos ser fracos, cegos e injustos.
A participação na Igreja nos ensina a ser compassivos e pacientes, além de nos fazer desenvolver a coragem e a disciplina. Essa participação nos torna responsáveis pelo bem estar pessoal, conjugal, físico e espiritual de pessoas de quem talvez não gostemos (ou que talvez detestemos profundamente), e assim aprendemos a amá-las. Ela nos faz ir muito além do normal; ela nos dá desafios. Ganhamos, assim, uma chance de nos tornarmos melhores do que havíamos planejado, mas que, no fundo, é o nível de bondade que precisamos e queremos atingir.
Michael Novak, teólogo leigo católico, expressou a mesma idéia em relação ao casamento. Em um notável ensaio, publicado na edição de abril de 1976 do Harper's Magazine, ele analisou a crescente inclinação dos intelectuais modernos de resistir, atacar e afastar-se do casamento. Novak argumenta que a principal razão pela qual a família, que tradicionalmente era o principal baluarte da segurança econômica e emocional, é atualmente vista sob uma ótica desfavorável. Sustenta ele que os modernos formadores de opinião não desejam assumir os riscos nem se submeter à disciplina exigida pela escola do casamento. Mas, em seguida ele mostra como tais temores, embora justificados, impedem que eles satisfaçam suas maiores necessidades. De maneira similar, acredito que aqueles que resistem, abandonam ou atacam a Igreja, por pura falta de perspectiva, não conseguem enxergar o que seria melhor para eles próprios. Para perceber melhor o meu argumento, ao ler a passagem de Novak que se segue, substitua mentalmente "casamento" por "Igreja":
O casamento é um ataque ao ego solitário e atomizado. Ele é uma ameaça ao indivíduo que ama a solidão. O casamento realmente impõe dificuldades, humilhações e responsabilidades frustrantes. No entanto, se alguém supõe que essas mesmas coisas são as pré-condições de toda verdadeira liberação, o casamento não é o inimigo do desenvolvimento moral dos adultos. De fato, é o oposto...
Sendo casado e tendo filhos, aprendi certas lições, pelas quais não posso deixar de ser grato. A maioria é de lições de dificuldades e de asperezas. A maior parte do que sou obrigado a aprender sobre mim mesmo não é agradável... Minha dignidade de ser humano depende talvez mais do tipo de marido e pai que sou do que da minha profissão. Meus laços de família me restringem (e muito mais à minha mulher) de muitos tipos de oportunidades. E, no entanto, esses laços não parecem limitações... Eles são, como sei agora, minha libertação. Eles me forçam a ser um ser humano diferente, de uma maneira que eu desejo e preciso ser forçado a ser. (P. 42)
Presto testemunho de que a Igreja pode trazer as mesmas responsabilidades humilhantes e frustrantes, bem como os resultados libertadores e redentores para nós, se conseguirmos vê-la como Novak vê o casamento, se pudermos entender que ela ataca nossos egos solitários e que seus laços e responsabilidades, que aceitamos de boa vontade, podem nos arrastar em direção a um tipo de ser que, em última instância, profundamente desejamos e precisamos nos tornar.
Duas chaves para entendermos esse poder paradoxal da Igreja Mórmon são, primeiro que ela é, por revelação, uma igreja leiga, até mesmo radicalmente leiga, mais do que qualquer outra e, segundo, que ela organiza suas congregações geograficamente, em vez de fazê-lo por preferência pessoal. Sei que há exceções, mas a experiência básica na Igreja para quase todos os mórmons é de que ela os coloca, direta e constantemente, em relações que exigem muito deles e que demandam muita proximidade de uma variedade de pessoas e problemas em suas respectivas congregações que não foram, em princípio, de sua própria escolha, mas que têm um profundo potencial redentor, em parte porque não foram escolhidas conscientemente. Sim, as ordenanças feitas na Igreja são importantes, assim como o são os textos escriturísticos, as exortações morais e as orientações espirituais. Mas, mesmo estes, em minha experiência, são poderosos e redentores, em parte por que funcionam em harmonia com oposições profundas e estimulantes que permeiam a estrutura da Igreja a fim de dar credibilidade e sentido à vida religiosa dos mórmons.
Permitam-me ilustrar: Em uma das últimas mensagens da conferência geral, durante a sessão vespertina do sacerdócio de 5 de outubro de 1968, o Presidente David O Mckay deu uma declaração que foi um tanto chocante para muitos de nós que estamos condicionados a pensar que os profetas não têm qualquer dificuldade em obter manifestações divinas. Ele relatou sua luta vã ao longo de toda a sua adolescência para obter de Deus "uma declaração pessoal da veracidade da primeira visão de Joseph Smith." Ele orou, "com fervor e sinceridade", nas colinas e em casa, mas tinha de constantemente admitir a si mesmo que "nenhuma manifestação viera a mim." Mas ele continuou a buscar a verdade e a servir os outros no contexto do mormonismo, o que incluiu uma missão na Grã-Bretanha, principalmente em virtude da confiança que tinha em seus pais e na benignidade de suas próprias experiências. Finalmente, o próprio Presidente McKay concluiu:
A manifestação espiritual pela qual eu tinha orado quando adolescente veio como conseqüência natural do desempenho do dever. Como declarou o apóstolo João, "E se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo." (João 7: 17).
Uma marcante reunião do sacerdócio seguiu-se a uma série de reuniões da conferência realizada em Glasgow, Escócia. Lembro-me, como se fosse ontem, da intensidade da inspiração daquela ocasião. Todos sentiram o rico derramamento do Espírito do Senhor. Todos os presentes estavam verdadeiramente unidos em coração e mente e nunca antes eu experimentara uma emoção como aquela. Era uma manifestação pela qual eu havia orado secretamente e com imenso desejo enquanto caminhava pelas colinas e pelos prados...
Durante o desenrolar da reunião, um elder, por iniciativa própria, levantou-se e disse: "Irmãos, há anjos nesta sala." Por mais estranho que pareça, sua declaração não pareceu surpreender ninguém; de fato, suas palavras pareciam absolutamente apropriadas, embora a mim não houvesse ocorrido que houvesse seres divinos ao redor. Eu somente sentia-me transbordando de gratidão pela presença do Espírito Santo. (Improvement Era, Dezembro de 1968, p. 85).
Desde então, tive muitas confirmações do testemunho profético prestado pelo Presidente McKay naquela ocasião. A maioria das minhas profundas manifestações espirituais, aquelas que formam o sólido alicerce do testemunho que tenho da realidade de Deus e de Cristo e do trabalho divino deles, assim como os meus desafios morais mais perturbadores e mais extenuantes, os conflitos pessoais que mais me amadureceram relacionados às grandes questões humanas, tais como integridade pessoal versus responsabilidade pública, lealdade para comigo ou para com a comunidade, liberdade redentora versus estrutura e ordem redentoras, todos esses vieram, como disse o Presidente McKay, "como conseqüência natural do desempenho da obrigação" na Igreja.
Sei que pessoas incomuns encontraram Deus em lugares incomuns, em uma súbita visão em um bosque, pomar ou caverna, ou talvez em uma montanha ou dentro de um armário, ou ainda através de serviço abnegado aos leprosos africanos ou aos intocáveis de Calcutá. Mas tenho certeza de que para a maioria de nós e na maior parte do tempo, ele pode ser encontrado mais seguramente na "seqüência natural do desempenho" das tarefas que ele confiou a todos (não apenas aos incomuns) para podermos agir em nossos próprios lares e vizinhanças e para que a Igreja, em sua comunidade ímpar, seja imposta ou escolhida, possa ensinar-nos e conferir-nos poder de forma mais perfeita.
Obtive um elevado testemunho da divindade de O Livro de Mórmon, a ponto de o espírito comover-me e levar-me às lágrimas sempre que leio qualquer passagem dele e eu o obtive ensinando a respeito dele na Igreja. Certo domingo, quando eu era bispo, tentei ajudar uma jovem que tentara o suicídio várias vezes, a última pouco antes de nosso encontro. Ela tinha profunda baixa estima e auto-rejeição. Senti-me compelido a simplesmente ler para ela passagens do Livro de Mórmon sobre a expiação de Cristo. Tenho certeza de que esse livro oferece a mais abrangente "Cristologia" ou a doutrina de como Cristo nos salva do pecado, algo que está à nossa disposição aqui na terra, e que as evidências internas da divindade do livro destroem totalmente as evidências e argumentos contrários a ele. O mais importante para mim em tudo isso, todavia, é que ao ler aquelas passagens para a jovem desesperada, prestando o meu testemunho da veracidade e poder delas em meus próprios momentos de desespero e pecado, seus lábios começaram a tremer tocados por novos sentimentos e lágrimas de esperança surgiram no lugar daquelas que tinham sido de angústia.
Em momentos como esse, fui capaz, em virtude de meu chamado como bispo, de aplicar o sangue expiatório de Cristo, não teoricamente, mas na verdadeira prática. Além disso, vim a conhecer a ministração de anjos por ter cumprido minha obrigação de visitar o templo e assistido, sempre que possível, a dedicações de templos. Por isso, vim a descobrir que nós mortais temos o poder real de “abençoar nossos bois” e as pessoas, o que aprendi como presidente de ramo por ter sido levado aos limites da minha fé pelo meu senso de responsabilidade em relação a meus irmãos e irmãs daquele pequeno ramo.
Antes de servir como presidente de ramo, servi no bispado da Ala Stanford, Califórnia, em meados da década de 1960, tendo sido professor de jovens brilhantes no Instituto de religião de Palo Alto. Simultaneamente eu fazia pós-graduação em literatura inglesa, tentando lidar como o ceticismo, o relativismo e os dilemas morais dos direitos civis e dos movimentos pacifistas e revoluções educacionais da época. Eu tendia a encarar a religião como um conjunto de amplas questões morais e filosóficas.
Em 1970, aceitei o cargo de Pró-Reitor de Assuntos Acadêmicos em St. Olaf, uma faculdade luterana de Artes localizada na pequena cidade de Norhfield, Minnesota. Na semana que cheguei lá, fui chamado como presidente de pequeno ramo da Igreja que havia naquela área. Entrei, de repente, em um mundo inteiramente diferente, um mundo que me testou severamente e que me ensinou muito a respeito do verdadeiro significado de “religião”. Em Stanford, a maior parte da minha vida religiosa havia sido relacionada com a compreensão e defesa do evangelho – o que tinha um caráter idealista, abstrato e crítico. Em Northfield, como presidente de um ramo com 20 famílias espalhadas em um raio de 120 quilômetros, que incluía desde membros “inativos” e durões originários de Utah, cheios de devastadores problemas conjugais, até conversos desempregados e oriundos de lares onde os pais viviam embriagados e os espancavam, mas que tinham a expectativa expressa em seus olhares. Logo me vi envolvido em uma vida religiosa que era prática, específica, sacrificada, exasperadora – e, ao mesmo tempo, mais satisfatória e redentora. Vi, então, com mais clareza, quão verdadeira a Igreja é como instrumento de apresentação dos processos de salvação para todos os tipos de pessoas, apesar – e até mesmo por causa – do gerenciamento feito por instrumentos imperfeitos como eu mesmo.
Lembro-me de um jovem daquele ramo que havia sido profundamente machucado socialmente por uma combinação de problemas mentais e familiares. Era-lhe difícil até mesmo falar em público ou organizar sua vida de maneira produtiva. Ele tornou-se membro antes de minha chegada e, à medida que lhe dávamos cada vez responsabilidades maiores no ramo e o apoiávamos com amor e paciência, vi-mo-lo transformar-se em um bom líder e num marido confiante. Lembro-me de uma senhora cujo marido não-membro transformara a vida dela em um inferno de abuso impelido pelo álcool. Apesar disso, ela pacientemente cuidava dele, trabalhava fora o dia inteiro para sustentar a família e vinha à Igreja todo domingo em roupas desgastadas mas finas e com tolerante determinação. Lá ela encontrava, com nossa ajuda, um pouco de esperança, alguma beleza e idealismo, além de alguma força, não somente para resistir, mas para continuar a amar o que, por todos os parâmetros, era impossível de se amar. A Igreja nos abençoou a todos por nos unir.
Durante os cinco anos que os servi, havia, entre os cerca de setenta a cem membros, talvez uns cinco que eu normalmente escolheria como amigos enquanto vivia em Stanford – e com quem eu poderia facilmente compartilhar minhas mais apaixonadas e “importantes” preocupações e opiniões políticas e religiosas, aquelas que haviam tanto me estimulado antes. Porém, com uma inspiração muito além de minha capacidade, não comecei meu período como presidente do ramo tentando pregar-lhes minhas idéias ou promover minhas cruzadas. Tentei, com grande esforço, compreender quais eram os problemas e preocupações imediatas do meu rebanho e procurei ser um bom pastor, um que os nutrisse e protegesse. Aí então, aconteceu uma coisa importantíssima. Viajei centenas de quilômetros e passei várias horas ajudando um casal que haviam se magoado tanto um ao outro a ponto de não mais se falarem. Ajudei-os a aprender a conversar de novo. Ajudei um estudante a afastar-se das drogas; ensinei um homem muito dominador a trabalhar de maneira cooperativa com seus conselheiros na escola dominical; abençoei um bebê doente, com a ajuda de seu pai, cuja fé era fraca e titubeante; confortei, no hospital, às quatro da manhã, os pais de um jovem que morrera em um acidente provocado por seu irmão que dirigia embriagado – ajudando depois o irmão a perdoar-se. Descobri, depois de seis meses, que os membros de meu ramo, a princípio céticos quanto a um intelectual vindo da Califórnia, sentiram em seu âmago, por experiência direta, que minha fé e minha devoção a eles e àquelas coisas que eram importantes para eles, eram “mais forte do que os laços da morte”. Senti, então, que, de certa forma, o resultado prometido em Doutrina e Convênios 121: 44-46 era verdadeiro, pois de mim fluía “sem medidas compulsórias” o poder de falar sobre quaisquer de minhas preocupações e paixões e ser confiável e compreendido, mesmo que não concordassem comigo.
Pode parecer que tudo isso sejam considerações egoístas e até mesmo obsessivas relativas à contribuição da Igreja com a minha maturidade espiritual. Mas, o que estava acontecendo comigo estava acontecendo com outros. Um jovem casal que vivera um ano no exterior, longe da Igreja, veio morar no ramo. Eles haviam se mudado para o exterior logo após o batismo da esposa. A experiência de Igreja que eles tinham, especialmente a dela, tinha sido orientada essencialmente para os conceitos e convicções do Evangelho, com sentimentos profundos e idealistas, mas abstratos, envolvendo muito pouco serviço ao próximo. Ela era uma mulher reservada emocionalmente, sendo também brilhante, criativa e muito crítica – temendo, portanto, expor-se emocionalmente ou enfrentar situações sem controle. O marido era detalhista, distante e, de certa forma, frio. Chamei-os, apesar de sua resistência inicial, para cargos cada vez de maior responsabilidade e de envolvimento direto com os outros membros; aí eu os vi desenvolverem-se, apesar de algumas lágrimas e dores, tornando-se amigáveis, empáticos, mais humanos e compreensivos, prontos a servir e a aprender com os outros, além de serem percebidos por pessoas bem diferentes deles como mais confiáveis. Eu os vi aprenderem que são essas exasperações, dificuldades, sacrifícios e desapontamentos que caracterizam o envolvimento em uma igreja leiga como a nossa – e que são tão difíceis de serem aceitas por liberais idealistas – são uma das principais fontes do poder da Igreja para nos ensinar a amar. Aquelas duas pessoas estão agora ensinando a outros o que aprenderam.
Essa lição – de que os problemas característicos da Igreja estão entre seus pontos fortes – tem sido confirmado a mim continuamente enquanto venho servindo como bispo de uma ala de jovens estudantes solteiros na Universidade de Brigham Young. As duas bênçãos mais diretas e miraculosas que o Senhor nos deu quando a ala foi organizada pareciam ser apenas problemas: uma criança quadriplégica e espástica em uma família e um casal com sérias limitações em outra. Eu já conhecera a mãe da criança quadriplégica há um ano aproximadamente. Como membro do sumo-conselho, visitei a ala dela e dei um discurso sobre a Expiação na Reunião Sacramental. Após a reunião, ela procurou-me para pedir conselho e ajuda. Ela sentia um misto de raiva e culpa profundas enquanto lutava para entender porque um erro médico havia transformado um de seus filhos gêmeos em uma desesperadora carga emocional e financeira que tinha obrigado seu marido a desistir dos estudos e da profissão almejada. Esse era um árduo teste para seu casamento e sua fé, especialmente quando as bênçãos do sacerdócio pareciam não funcionar, o que a deixou a um passo de um colapso e da apostasia.
Agora, um ano mais tarde, enquanto eu orava por orientação para organizar uma nova ala, senti tão claramente quanto já sentira muitas vezes antes um daqueles “toques de inteligência” que Joseph Smith descreveu, inspirando-me a chamá-la para ser a presidente da Sociedade de Socorro. Chamei-a e, apesar de estar a ponto de mudar-se, ela aceitou. Ela tornou-se a principal fonte de um espírito inigualável de comunicação honesta e de um sentido genuíno de comunidade que logo permeou a ala. Ela visitou todas as famílias e compartilhou com elas, sem reservas, seus sentimentos, dificuldades, sucessos e necessidades. Assim como seu marido, ela falava abertamente nas reuniões sobre seu filho, os problemas deles e desse filho, pediam e aceitavam ajuda, e enquanto isso, ela persistia e executava suas obrigações. Todos nós, membros da ala, aprendemos com aquele casal a ser mais sinceros, vulneráveis, sociáveis e persistentes, além de sermos capazes de voltarmo-nos uns para os outros para buscar e oferecer ajuda sem fazer julgamentos.
Conheci o casal que tinha sérias limitações quando eles vagavam pelos corredores da nossa capela no primeiro domingo de reuniões de nossa ala. Eles não procuravam a ala; de fato eles vivam um pouco além da linha divisória de nossa ala, mas não tenho dúvidas de que o Senhor os enviou. Eles demandaram um gasto significativo de recursos de nossa ala – tempo, ajuda de bem-estar, paciência e tolerância – enquanto trabalhávamos com eles para arranjar-lhes emprego, um lugar digno para morar, uma saída para as dívidas e para torna-los capazes de cuidar de seu filho irrequieto e inteligente, além de tentar ajuda-los a se tornarem mais discretos nas reuniões e menos grosseiros no relacionamento humano. Com isso, aprendi duas lições: Primeiro, a estrutura e os recursos da Igreja (que são previstos para serem usados com esforço disciplinado, voluntário e cooperativo, tendo objetivos essencialmente espirituais) são adequados como meios com os quais se pode estabelecer um sistema de apoio para um casal como o do exemplo, além de ser capaz de unir a família e abençoá-la com maior progresso. Segundo, as bênçãos fluíram sobre a ala tanto quanto sobre o casal à medida que aprendíamos a expandir nossas idéias sobre o que é um comportamento “aceitável”, além de ampliar nossa capacidade de amar, servir e aprender com pessoas que, de outro modo, nem ficaríamos conhecendo. Certa irmã telefonou-me para relatar seus esforços de ensinar àquela mulher algumas habilidades maternais e de cuidados com o lar e confessou seus ressentimentos e frustrações iniciais, dizendo em seguida, em lágrimas, o quanto seu próprio coração havia amolecido e sua “dura cerviz” havia se inclinado ao aprender coisas com aquela irmã tão diferente dela.
Esses exemplos, creio, referem-se ao que Paulo fala em 1 Coríntios 12, o extraordinário capítulo sobre os dons, no qual ele ensina que todas as partes do corpo de Cristo – a Igreja – são necessários em virtude de seus diferentes dons e que, de fato, aqueles que têm dons “menos dignos” e “sem atrativos” são mais necessários e demandam mais atenção e honra – talvez porque o mundo automaticamente iria honrar e utilizar os outros.
É na Igreja especialmente que aqueles cujas qualidades (“dons”) de vulnerabilidade, dor, incapacidade, necessidade, ignorância, arrogância intelectual, orgulho social e até mesmo preconceito e pecado – aqueles que Paulo chama de membros que “parecem ser mais fracos” – podem ser aceitos, ajudados e podem até ensinar, tornando-se parte do corpo para que, no conjunto, todos sejam abençoados. É na Igreja que aqueles que têm dons mais atraentes e que são honrados pelo mundo, tais como as riquezas e a inteligência, podem aprender o que mais necessitam – servir, amar e pacientemente aprender com aqueles que têm os outros dons.
Todavia, isso é muito difícil para o “rico” e para o “instruído”. É por esta razão que aqueles que possuem aqueles dons perigosos tendem a não compreender e a ridicularizar a Igreja – que, afinal, é composta de membros simples e impuros, da classe média, daqueles sem sofisticação política e que são vítimas dos preconceitos, membros comuns como a maioria de nós. E todos sabemos o quão aborrecidos esses podem ser! Estou convencido que nossa salvação está calcada justamente nessa exasperação, se formos capazes de permitir que o contexto no qual mais ficam evidentes essas mazelas – a Igreja – torne-se nossa escola de amor incondicional. Mas isso exige uma mudança de perspectiva, mudança essa que vou agora resumir.
A Igreja é tão “verdadeira” quanto – isto é, tão eficaz para a salvação quanto – o evangelho. A Igreja é o lugar onde existe oposição frutífera, o lugar no qual sua própria natureza revelada e inspirada mantém uma oposição entre valores conservadores e liberais, fé e dúvida, autoridade segura e liberdade temerária, integridade individual e responsabilidade pública – e é, portanto, onde haverá tanto iniqüidade quanto santidade, o bem tanto quanto o mal. E se não pudermos suportar a miséria e a luta, se preferirmos que a Igreja seja “um composto de um só”, tal como Lei descreveu (calma, perfeita e sem desafios, sem oposição interna e, portanto, fadada a “desaparecer”) em vez de ser como ela é, cheia da irritante diversidade humana e de insistência permanente em participarmos de ordenanças e obedecermos instruções, de levar a sério ensinamentos que incorporam paradoxos que não têm solução lógica – se nos recusarmos a nos perdermos de todo coração em tal escola, nunca conheceremos a verdade redentora da Igreja. Se perguntarmos continuamente “O que a Igreja fez por mim?”, nos esqueceremos de fazer a pergunta mais importante: “O que estou fazendo com as oportunidades de serviço e com os desafios que a Igreja me oferece?”. Se constantemente abordarmos a Igreja como consumidores, nunca compartilharemos de seu fruto doce e que satisfaz. Somente se pudermos perder nossas vidas é que nos encontraremos.
É precisamente na luta para sermos obedientes enquanto mantemos nossa independência, para ter fé enquanto nos mantemos fiéis à razão e à evidência, para servir e amar apesar das imperfeições e até mesmo das ofensas é que poderemos ganhar a humildade que necessitamos para permitir que o poder divino entre em nossas vidas de forma transformadora. Talvez o mais surpreendente paradoxo relacionado à Igreja seja o fato de ela trazer ao mesmo tempo o divino e o humano – através do serviço do sacerdócio, das ordenanças, dos dons do Espírito – de uma forma concreta que nenhum sistema abstrato de idéias poderia fazer.
Meu objetivo neste artigo não foi o de ignorar os problemas reais da Igreja ou o poder das verdades do evangelho. Como tentei sinalizar o tempo todo, a força paradoxal da Igreja deriva dos paradoxos verdadeiros do evangelho que ela incorpora; são contrários que necessitamos, com os quais precisamos lutar de maneira mais profunda na Igreja. Todos devemos nos engajar não somente em aceitar os conflitos e exasperações da Igreja como instrumentos redentores, mas em tentar, de maneira genuína, encontrar soluções possíveis e reduzir as exasperações desnecessárias. (De fato, é somente quando nos envolvemos nos problemas considerando-os não apenas exercícios intelectuais, mas dificuldades que precisam ser solucionadas é que esses se tornam redentores).
Entretanto, juntamente com nossa sensibilidade pelos problemas, devemos também, creio, ter mais respeito pela verdade da ação, da experiência, às quais a Igreja nos expõe de maneira inigualável, para que respondamos com coragem e criatividade. Devemos ser ativos, perceptivos, fiéis, crentes, devemos procurar a verdade e promover a união do corpo de Cristo. Para fazê-lo, devemos aceitar a Igreja como verdadeira em dois sentidos importantes: Primeiro, ela é o repositório de verdades redentoras capitais e da autoridade para executar ordenanças essenciais à salvação. Embora, como já percebi, seja difícil descrever tais verdades em simples proposições, tomadas em conjunto elas aumentam e tornam eficaz o desejo de servir que cria a experiência redentora que descrevi. Segundo, além de ser o repositório de princípios verdadeiros e de autoridade, a Igreja é o instrumento que nos foi dado por um Deus amoroso para nos ajudar a tornarmo-nos como Ele. Ou seja, para nos proporcionar experiências essenciais – experiências mútuas que podem nos unir e transformar-nos em uma comunidade honesta e amorosa, que é o locus essencial da salvação. Se não pudermos aceitar a Igreja e o desafio que ela nos proporciona com a abertura e a humildade requeridas, nossos estudos históricos e nossos esforços teológicos serão nada mais do que perda de tempo – podendo até mesmo ser destrutivos. Não podemos apreciar adequadamente a história do mormonismo ou conhecer a verdade do evangelho restaurado que a Igreja oferece, a menos que compreendamos – e ajamos – de acordo com a verdade da Igreja.
Tradução de Edson J M Lopes
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